quinta-feira, 10 de março de 2011

Águas de Março

Escorrem pela janela as gotas lascivas da chuva de fim de Inverno. São frágeis mas convictas. Pendem de um céu saudoso de azul onde, aos poucos, o calor vai chegar.
Talvez nós os dois sejamos também duas gotas apenas. Dois pingos orgulhosos e escorregadios chorados pelo frio pouco gelado que tarda em cessar. Talvez sejamos apenas dois cristais molhados e esguios que, um dia, poderão descobrir o caminho para o mar.
As chuvas desta época são correntes largadas de uma estação que já não tem drama nem cinzento escuro. São o sorvo das flores acabadas de nascer e que, mais tarde, cairão no leito de um rio que não sabe bem onde vai dar. As chuvas desta época são levadas pelo poente de dias que não vão parar de crescer. E são as mesmas águas onde, em tardes quentes, as crianças vão mergulhar.
Talvez nós os dois também tenhamos direito a nadar na ternura dos dias soalheiros. Dois pingos orgulhosos e escorregadios que saberão acompanhar as vertigens da corrente e a calma dos passeios ao luar. Talvez nos ultrapassem as flores da Primavera e, mais tarde, as folhas secas do Outono. Não deixaremos, nunca, de tentar descobrir o caminho para o mar.
De momento, estamos aqui. Onde as gotas lascivas da chuva de fim de Inverno se deixam escorrer pela janela. Frágeis mas convictas. Como nós. Pendemos juntos de um céu saudoso de azul onde, impetuoso, o calor conseguiu entrar.