quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Let it rain

As toalhas de papel dos restaurantes práticos servem para os artistas escreverem desenhos e para os poetas desenharem estrofes. E para os casais apaixonados imortalizarem juras de amor. As toalhas de papel dos restaurantes práticos servem para sujar, para rasgar ou para guardar. Servem para alimentar de instantes extraordinários a selva medonha da vida vulgar. As toalhas de papel dos restaurantes práticos servem para ensopar as pingas de chuva que escorrem dos casacos e dos cabelos nas noites escuras. Servem para acamar restos de comida e vinho derramado e grãos e migalhas de todas as espécies. Servem para aparar a amargura dos gritos ou a doçura dos sussurros ou o alarde das gargalhadas durante a refeição. 
É importante escrever isto, que tenho como uma evidência. Há desenhos que não têm aproveitamento e há estrofes que ninguém lê. E há juras de amor que alguns teimarão em esquecer. Secam as pingas de chuva dos casacos e dos cabelos. As noites escuras vão desaguar na alvorada duma manhã qualquer. O vinho derramado já não volta para o copo e as migalhas nunca vão passar disso mesmo. Resta a amargura, a doçura e o alarde. As toalhas de papel dos restaurantes práticos servem para dar as boas-vindas à vida verdadeira que nos servem à mesa, onde repousamos os talheres da selva medonha da vida vulgar. Servem para embrulhar os resíduos descartáveis dos momentos de prazer durante a refeição.

sábado, 5 de novembro de 2011

Attraversiamo

Há coisas que são sempre uma montanha ou um abismo. Ou, por outra, as melhores coisas são sempre, simultaneamente, uma montanha e um abismo. Os momentos determinantes são assim e as pessoas determinantes também. Não são só uma estrada inconsequente que percorremos, sem emoção, rumo a qualquer parte. Não. São uma travessia extasiada entre dois pontos mais ou menos vertiginosos e que pode acabar num cume ou num fundo, com consequências diversas para todas as partes. Nenhuma outra nos pode fazer mais coloridos e mais acordados e mais crescidos e, no fim de contas, mais felizes. As coisas importantes são sempre um salto tresloucado que pode acabar num voo ou num trambolhão. A vida desvairada que se vai alimentando do vício do verbo desejar. A coragem mais sincera de todas é suficiente para colocar o pé na outra ponta do patamar. E para chamar as coisas pelos nomes, avançando para esse lugar onde qualquer paladar vai ter outro sabor. Tudo ou nada. Atravessamos.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Problema de expressão

E cruzo-me contigo para escrever a primeira página do primeiro capítulo de um livro charmoso e bem paginado ao qual, um dia, daremos um nome invulgar. Colas as imagens num espaço sem referentes e esquissas desenhos a eixo na minha folha branca. O nosso universo tem um corpo maior do que o orvalho daquela noite e o nosso fundo assenta na massa que tu tratas de colorir quando pousas esses olhos honestos sobre mim. Há uma paleta de aspirações que nos acompanha, alinhada com dois retratos de receios, em cada linha deste texto. Vamos deixá-los respirar, por agora, no verso de um vestibular sem edição. Os teus braços vão levar-me ao colo desde o meu índice até ao teu infinito, donde partiremos, sem alinhamento, para mais além. A minha prosa com a tua, tipo poesia selvagem, não tem parágrafos nem expressão. Será impressa assim mesmo, numa tela interdita sem margem e sem sangramento. Onde guardas, ao mesmo tempo, o meu problema e a minha solução.

sábado, 17 de setembro de 2011

One way or another


De uma forma ou de outra, a resistência será sempre a força de quem fraqueja. Venham os enxovalhos, as tareias, as palavras mal amanhadas. Venham os narizes esfolados, o sabor a relva, as minhas mãos arranhadas. Disponham sempre. Um dia atiraremos as cadeiras, perderemos o tino, as estribeiras. Desgostemos de tudo para chegar onde for.
De uma forma ou de outra, estaremos sempre sujeitos uns aos outros. As pessoas erradas chegarão no tempo certo. E nunca haverá um mau momento para a pessoa acertada. Um dia trocaremos os atalhos pela estrada. Imunes a toda a rudeza, a toda a poeira que nos confunda. Eu e tu, sabes bem, nós ainda vamos chocar numa rotunda.
De uma forma ou de outra, a estimada alegria vai sempre espreitar. Sublime e intensa, singular. Por um instante, o trono escorreito de ser só súbdito de si próprio. O descanso de todos os cansaços, as mazelas sanadas. Não importa se as preparamos cozidas ou assadas. Mais desta forma do que doutra, levaremos o fado ao seu lugar.
Hoje e agora, no topo do mundo, onde as tempestades desabam, onde repousa mais luz. Vamos gritar à vontade, brindar à verdade que nos conduz. De uma forma ou de outra.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Dou-te um doce

Hoje lembrei-me daquela bola-de-berlim que comi na praia. Redonda e fresca, encaixada dentro de um vento quente. Entretida entre a força do sol e a brandura do mar. Uma bola-de-berlim trincada a eito, com açúcar, com creme, com areia da praia, com tudo a que tenho direito.
Hoje sei que a vida boa é uma colcha de remendos, uma costura rendilhada de vários pequenos prazeres. Nela moram todas as bolas-de-berlim comidas na praia, todos os passeios de mão dada, as amizades doces, os serões de amêndoas amargas, o som da água salgada.
Hoje lembrei-me que o mundo também pode ser um bolo frito, redondo e fresco. Uma bola recheada de boa gente. Pessoas saborosas como o creme de ovos acabado de fazer. E talvez haja dias para comer areia. Mas eles passam sempre. O que importa é a degustação, convicta, contemplativa, com paladar. A eito. Com tudo a que temos direito.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Lazy song

Hoje não me apetece fazer nada. Nem metáforas nem anáforas nem hipérboles nem eufemismos. Nem lógicas para vírgulas, cuidadosamente posicionadas, em frases com ponto final. Nem me apetece querer ser eficiente e perspicaz e conveniente. Hoje talvez nem seja necessário querer ser inteligente.
Só é preciso adormecer sobre um sofá qualquer. Acordar sem relógio e arrancar para parte nenhuma. E tomar o pequeno-almoço noutra caneca, noutra mesa, outra coisa. Sem tomar ao mesmo tempo o que era antes e o que vai ser depois. Só eu e a minha manhã numa caneca diferente.
Quando eu voltar, talvez haja deveres, apetites, tarefas a arder por toda a parte. Por ora, a única coisa que escalda é a areia da praia. Da preguiça que me chama. E o mar, inundado de inconsequência, que me quer mergulhar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

I can see clearly now

Chegou devagarinho, pela ponta duma pestana. Depois instalou-se, de repente. Era o franzir do sobrolho, o esfregar os olhos. Era enxergar um mundo amuado em tom turvo. Era a falta de nitidez para poder apreciar o pormenor na lonjura. Era o horizonte a acabar cedo demais. Era a visão, na sua dimensão mais quotidiana e elementar, a fugir-me da vista.
A incapacidade para ver será, em todos os sentidos e dimensões possíveis, uma questão limitativa. Cada qual vai alimentando uma espécie muito particular de miopia, impedindo-se de focar, em simultâneo, duas dimensões. O que está próximo e o que está afastado, o que é prioritário e o que é secundário, o que importa e o que não interessa. Toda a óptica do essencial tem o seu requinte. E, para todos os que o procurem, existirão os mais preciosos óculos.
Agora já os tenho aqui, no seu poleiro, no topo do mundo, sentados em cima do meu nariz. Agora ficou tudo mais claro. As legendas dos filmes, as copas das árvores, a expressão dos rostos. Toda e cada coisa que está para além do que as mãos conseguem agarrar. Agora já percebi que, por vezes, não temos o alcance para chegar ao detalhe que é preciso. Que, talvez com uns óculos, seja possível ver a vida melhor.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Mea culpa

Eu não sei bem se a procura da culpa é uma tendência feminina ou se é uma tendência cristã ou se é uma tendência humana. Sei apenas que a assunção da culpa é uma mistura esquisita de masoquismo com responsabilidade. Uma espécie de mochila de campismo cheia de tralha que se leva às costas e que não nos deixa chegar a acampar, efectivamente, em lado nenhum.
Eu não sei bem se é a minha inteligência ou se é a minha burrice que me manda assinar os papéis deste negócio estúpido de compra e venda de acusações. Sei apenas que talvez haja delitos sem dono e arguidos sem rosto e processos prescritos sem sanções.
Eu não sei bem se a grande culpa é cometer um erro ou se o maior erro é culpar-se demais. Sei apenas que, por vezes, há um travo de insanidade na culpa. Um delírio feito de mentiras e temperado de certezas. Em que a consciência e a inconsciência são iguais.

terça-feira, 19 de julho de 2011

terça-feira, 12 de julho de 2011

Paradise lovers

Sabes, durante estes anos tenho-me sentado à mesa com outras pessoas. O mesmo duelo desnudo entre dois que se dão. Olhos nos olhos, degladiam-se as vontades do mundo e os votos profundos de cada qual. Uma ponte entre duas ilhas desabitadas donde desembarcamos, por momentos, sem nós. No início é sempre igual, os copos cheios. As almas vazias.
Acabei por te encontrar antes de terem passado vinte anos. As explicações podem ficar noutro tempo, em cima de uma mesa qualquer. O mesmo absurdo que despachou a nossas malas para parte incerta, veio depositar-nos aqui. Talvez as fantasias se tenham dissolvido no líquido em que afogámos as mágoas. Outros sonhos náufragos poderei devolver, embrulhados em trovas, numa garrafa qualquer.
Durante anos, a mesma sensação de tontura. O poder invencível da partilha. Primeiro desfiamos as feridas mais graves da terra. Depois, desterrados de tudo, desafiamos a gravidade. Desfeitas as dúvidas, desmorona-se o corredor entre as margens. Cada um para o seu canal sem destino, isolado. No fim, sempre assim. Na extremidade das almas cheias, os copos vazios.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

People are strange

Todas as manhãs, a mesma caneca amarela com meio litro de leite frio. A mesma torrada com margarina. O mesmo pão com oito cereais. A mesma concentração com que mastigo este mesmo pequeno-almoço enquanto ouço com a mesma atenção as músicas antigas da mesma estação de rádio. Os mesmos vestidos, os mesmos nós no cabelo, as mesmas sandálias compensadas. O mesmo gesto com as chaves de casa, sem fazer barulho. Saio. Bons dias ao vento e ao fresquinho, ao vizinho, ao senhor que foi comprar o jornal. Lá ficam os mesmos rascunhos desorganizados sobre a mesa, os mesmos vincos sobre a colcha, a mesma persiana entreaberta.
Todos os dias esta mesma particularidade patética de ser fiel a um cunho absurdo de mim própria. Fazer de conta que tenho a vida organizada, que sei o que me espera nesse lugar para onde vou. A mesma alimentação com substância para fazer face a qualquer desalento substancial. O mesmo ritual de arranjar em frente ao espelho a imagem conservada do que sou. A mesma mesmice inspirada na possibilidade de fazer tudo da mesma maneira e, mesmo assim, poder ter um dia diferente.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Uma noite vou dançar até de manhã.

Uma noite vou dissolver-me na música como um sal. E ondular na pista como as ondas no mar. Vou riscar no chão o contorno ardiloso da palavra prazer e respirar a madrugada da palavra paixão. Uma noite vou calçar os sapatos de todas as cinderelas e compor um conto só para mim. Vou transpirar a penumbra das estrelas e sorver-lhes a luz. Arrastar os meus cabelos ao redor do teu luar. Uma noite vou pisar o pé dos meus receios e rodopiar o vestido dos meus sonhos. Amanhã é a noite.

domingo, 12 de junho de 2011

Someone like you

Talvez já não te recordes daquela tarde, há uns bons anos atrás, em que ataste uma fita ao meu pulso direito. Era uma daquelas pulseiras dos desejos, lembras-te? Deste três nós firmes, pausadamente, enquanto eu sussurrava com seriedade três profundos desejos. Conservei essa fita com absoluto cuidado, mesmo nas ocasiões em que não me dava jeito nenhum ter uma coisa atada ao pulso. Era cor-de-rosa, lembras-te? Foram anos a fio a ver o fio deteriorar-se lentamente, sujando-se e estreitando-se e alargando, aos poucos, no meu pulso. De certa forma, sempre desconfiei que te transportasse comigo. Que tu permanecesses aqui, atado a um sítio qualquer. Talvez fossem esses três nós bem dados, talvez fosse essa fita deteriorada, talvez fossem esses três desejos profundos que me amarrassem teimosamente a ti.
Um dia destes, num movimento brusco e estúpido, a fita ficou presa ao fecho da minha carteira e rompeu-se. Quando a vi, frágil e quebrada, apartada do meu punho, fiquei sem reacção. Hoje sei que as rupturas começam sempre com um movimento brusco e estúpido. Geram sempre pessoas frágeis e quebradas, apartadas, sem reacção.
Talvez já não te recordes do que significa hoje o meu pulso direito nu. Eu própria não sei. Talvez queira dizer que mesmo as fitas bem atadas acabam por quebrar. Talvez signifique os nossos laços desfeitos, que continuo a vislumbrar neste espaço sem pulseira nenhuma. Onde estão os meus três desejos por concretizar.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Um contra o outro

Um dia ouvi falar sobre um certo provérbio árabe. Diz ele que o beduíno deve ir sempre sobre o camelo. Se o beduíno não conseguir domar o camelo, é bem capaz deste se empoleirar às suas costas. Tenho para mim que estas palavras encerram uma verdade fundamental, a necessidade absoluta de que cada coisa ocupe o seu lugar. Cada coisa e cada pessoa no seu lugar, sendo claro que, a todo o tempo, devamos tomar as rédeas do máximo número de pressões que podem vir a acumular-se no nosso dorso. Pensando bem, talvez haja momentos em que o mundo não seja muito mais do que isso mesmo. Um imenso deserto onde uns quantos beduínos se desdobram para refrear outros tantos camelos.
Eu própria, afinal, prossigo assim. Encavalitada no dromedário das minhas incertezas. Evitando que as forças se invertam, talvez possa avistar um oásis.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Tempo de antena

Tempo de antena. Instantes que duram séculos. Como todos aqueles que nos impõem em regime ditatorial. Uma sequência violenta de mau gosto mal intencionado. Esquema estéril para exortar uma suposta capacidade de reflexão. Estratégia inútil para agendar a noção vaga de uma tal consciência cívica que não se aprende nem se aplica através da televisão.
Tempo de antena. Talvez cada um se devesse reservar esse direito. Seleccionar um punhado de minutos diários para infligir-se a si próprio de uma mensagem qualquer. Recordar-se do vago compromisso que cada qual deve assumir perante uma ideia mais ou menos liberta de identidade. Um esquema fértil de utilidade estratégica para quem conserve a aspiração de ser capaz de qualquer coisa.
Tempo de antena. Instantes que duram séculos. Resume-se a isto a versão quitada de uma ideologia. Os tempos em que se poupa na possibilidade de pensar. Retrato de uma bandeira vazia num comício sem púlpito governado por telecomando.  A austeridade do ridículo num momento em que as vidas estão sem orçamento para militar.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Here I go again

Na terça-feira fiz anos. Há uns anos não imaginaria ter tanta alegria no meu aniversário. E, sobretudo, tanto orgulho dos meus aniversários. Mas aqui vou eu outra vez. Há uns anos atrás não imaginaria que pudesse chover no meu aniversário. E, sobretudo, que trovejasse no meu aniversário. E que eu fosse tão feliz na mesma, apesar disso tudo. Aqui vou eu outra vez. Há uns anos atrás não imaginaria que não sobrasse tempo para vir escrever disparates no blog. Escrevê-los no próprio dia do meu aniversário. E, sobretudo, não fazia ideia de receber tantos abraços de amigos, tantos beijos de amigos, tanta gente boa para roubar o meu tempo. E aqui vou eu outra vez. Não imaginaria que pudesse querer comer um bolo de aniversário sem açúcar. E que fosse sujeitar os meus convidados a roer entrecosto numa tasca. E que fosse saber-me tão bem. Mas aqui vou eu outra vez. Com pernas para correr, pernas para dançar, com quilómetros para fazer, milhas por andar. Com novas malas por encher, mais caixas para esvaziar. Aqui vou eu outra vez. Rumo aos anos que não imaginaria nem que tivesse vivido muitos mais anos. Rumo aos dias que ganharão um lugar na ternura dos meus aniversários. Aqui vou eu. Outra vez, como dizem os Whitesnake, na solitária rua dos sonhos.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Entre mis recuerdos

Lembro-me do quintal, das tardes de chuva e das tardes de sol. Lembro-me das árvores, durante uns tempos abastadas, noutras alturas despidas. Entre as duas casas, sempre a passadeira de cimento irregular, umas vezes percorrida à pressa, outras vezes devagar. E, na fachada da minha casa, acima da soleira da porta, um candeeiro. Uma lâmpada de luz metida numa campânula de vidro mal enroscada onde alguns insectos repousam. A luz fica sempre acesa durante a noite, não vá alguém precisar.
Já houve tempos quentes, outros tempos mais frios. Já houve dias que seguiram noite adentro, já houve noites que terminaram de manhã. Umas vezes com o mundo abastado, outras vezes despido. Entre mim e a minha casa, sempre uma passadeira de cimento irregular que percorro com a religiosidade de um rito qualquer. Na fachada, sobre a soleira da porta, o candeeiro. A luz acesa da minha campânula, a lâmpada da minha existência mal enroscada. Vou sempre precisar.

domingo, 1 de maio de 2011

Something simple

Não oferecemos algo simples. Procuramos aquela prenda para aquela pessoa. Pensamos no jeito que a distingue, nos objectos que a definem, nos pequenos prazeres que a fazem feliz. Reflectimos sobre o que somos para ela e sobre o que ela é para nós. Hesitamos entre preencher uma necessidade ou investir apenas num mimo. Hesitamos entre um toque de humor ou um simbolismo profundo. Ou procuramos apenas uma coisa que diga que não nos esquecemos. Que estamos satisfeitos por tê-la aqui. Que cortámos uma fatia do nosso tempo para lhe dedicar. Caminhamos entre as lojas e entre as nossas recordações, mexemos em coisas, rejeitamos coisas. Evitamos a preguiça de pegar numa coisa qualquer. Continuamos a procurar. Falamos com quem nos possa ajudar a encontrar aquela coisa para aquela pessoa. Procuramos a coisa perdida dessa pessoa como se fosse a nossa missão de lha entregar. Pensamos nela, tão dentro da nossa cabeça e do nosso coração. Aguardamos que alguém no mundo tenha feito essa coisa à sua medida para que lha possamos entregar. A coisa aparece. Embrulhada num sítio qualquer onde só nós a poderíamos encontrar. E finalmente imaginamos que esta seria aquela coisa perfeita para aquela pessoa. A coisa vai embrulhada nisso tudo. No estado do tempo nesse dia, nos nossos afectos, nas voltas que demos à procura, na nossa insistência para a encontrar. A coisa leva as nossas impressões digitais, marcadas no momento em que a tirámos da prateleira onde nos esperava. Leva a nossa ansiedade em descobrir, a nossa vontade de estar presente, o nosso desejo de agradar. Guardamos a prenda connosco e também guardamos aquele alívio de missão cumprida. E chegamos a um sítio com aquele embrulho, imagem constrangida de quem se quer dar. Nós e o último medo de não ter escolhido bem, a espera pela expressão daquele rosto. Estendemos a mão. Oferecemos. Ouvimos o rasgar do embrulho e uma palavra de agradecimento embrulhada num sorriso. Um obrigada que é tão inferior à dimensão daquele gesto, tão inferior à dimensão daquela pessoa. Daquele momento em que estivemos lá. Não, não oferecemos algo simples.
Mãe, nenhuma outra pessoa poderia ter ensinado melhor o significado de uma oferta singular. Aqui vou gerindo o meu presente, tentando oferecer sempre a cada um aquilo que melhor lhe encaixa. Nenhuma outra prenda senão esta teria sido suficiente para ti. Eu a subir estas escadas contigo ao pé de mim. Afinal de contas, talvez baste mesmo uma coisa simples. Continuarmos aqui.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Grândola, a tua vontade

Lembro-me de me terem dito uma vez que a palavra inquietude é uma das mais bonitas que há.
Na palavra inquietude cabem as vozes que nos sussurram em noites solitárias e que nos impelem a que nos rebelemos. A palavra inquietude inspira as revoluções políticas e também as revoluções pessoais. Está em todos os momentos que nos instam a agir para que o dia seguinte não seja só mais um dia. Há 37 anos, uns certos inquietos quiseram mudar o dia seguinte deste país. Há pessoas que passam noites acordadas, noites em que seria impossível adormecer, e nada fica como dantes. Há 2 anos e tal também eu fui inquieta, também eu mudei o meu dia seguinte. Há certas noites de insónias que nos mudam a vida. Essa inquietude guardo-a até hoje, também ela cheira a Abril. Tantos dias e noites volvidos, penso nas revoluções, olho para o país e para mim. Talvez os resultados de todas as inquietudes do mundo tenham alguma coisa em comum. A inquietude move-nos com um factor de euforia nos primeiros tempos. E depois afaga-nos com coragem nos outros tempos mais difíceis. Por vezes quase que nos abandona, deixando espaço para dúvidas e erros e quase recuos. Por vezes contagia outras pessoas, outros corações, tornando as noites dos inquietos muito menos solitárias. Passado uns tempos, sabemos que muito foi feito. Mas, ao mesmo tempo, há uma outra inquietude que nos assola e que nos diz que tudo está por fazer. Talvez esteja mesmo.
Lembro-me sempre de me terem dito dessa vez que a palavra inquietude é uma das mais bonitas que há. O que ela tem de mais bonito é este lado inacabado e incessante que as pessoas inquietas não se podem cansar de apreciar.

L'Intempérie

É a proximimidade do precipício que propicia uma intempérie. Não preciso de impingir pedaços de pudor. Não lhes pego e não os peço a ninguém. Permito que me proponham toda a parafernália de impropérios ao invés de uma palavra piedosa por alguém. Impeço a expropriação de pecados importantes, reconhecendo que uma vida impoluta é imprópria para proveito. Respondo, impaciente, às realidades impraticáveis e sinto-me impassível de impedir todas as impertinências de que sou capaz. Aponto, impávida, para a penumbra de um império e pinto todos os passos até lá chegar. Pelo percurso tropeço em pedras de imprevisibilidade e penedos importunos. A procura é sempre compassada por parcelas de prazer e por uma soma importante de impossibilidade. Pergunto-me quantos parvos como eu se importam com estes punhados de impulsos. Preocupações permanentes com o poder das aspirações. E com os apetites impostores. Parto do princípio de que a perda é um imperativo. Represento, portanto, um projecto impreparado e imperfeito. Uma poção impetuosa de pólvora e plumas. Prestes a implodir.Imagina.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Eyes Wide Shut

Fechamos os olhos durante o beijo. Aceitamos que é inútil tê-los abertos. Deselegante, até. Resvalamos para a órbita em que a luz é interdita e decidimos sucumbir a um silêncio que só tem sentido na mais profunda e professa fé.
Não descerramos os olhos durante o beijo. Temo-los cegos como somos a vida inteira. Vulneráveis a qualquer ataque. Ignorantes de uma verdade que pode nem existir, passivos de um futuro que pode nem vir.
Batemos as pálpebras durante o beijo. Embriaguez obrigatória de quem bota um pé em cada mundo. Abrir os olhos seria violar todas as regras da surdez que nos vela. Viajar ancorado em terra.
Vamos para lá e pronto. Para o quarto escuro onde estamos metidos desde sempre. Sem ver mais nada. Juntamos as pestanas e separamo-nos do tempo. Até o beijo acabar.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Águas de Março

Escorrem pela janela as gotas lascivas da chuva de fim de Inverno. São frágeis mas convictas. Pendem de um céu saudoso de azul onde, aos poucos, o calor vai chegar.
Talvez nós os dois sejamos também duas gotas apenas. Dois pingos orgulhosos e escorregadios chorados pelo frio pouco gelado que tarda em cessar. Talvez sejamos apenas dois cristais molhados e esguios que, um dia, poderão descobrir o caminho para o mar.
As chuvas desta época são correntes largadas de uma estação que já não tem drama nem cinzento escuro. São o sorvo das flores acabadas de nascer e que, mais tarde, cairão no leito de um rio que não sabe bem onde vai dar. As chuvas desta época são levadas pelo poente de dias que não vão parar de crescer. E são as mesmas águas onde, em tardes quentes, as crianças vão mergulhar.
Talvez nós os dois também tenhamos direito a nadar na ternura dos dias soalheiros. Dois pingos orgulhosos e escorregadios que saberão acompanhar as vertigens da corrente e a calma dos passeios ao luar. Talvez nos ultrapassem as flores da Primavera e, mais tarde, as folhas secas do Outono. Não deixaremos, nunca, de tentar descobrir o caminho para o mar.
De momento, estamos aqui. Onde as gotas lascivas da chuva de fim de Inverno se deixam escorrer pela janela. Frágeis mas convictas. Como nós. Pendemos juntos de um céu saudoso de azul onde, impetuoso, o calor conseguiu entrar.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Elasticidades

Duas pessoas seguram um elástico. Cada qual suporta uma ponta desse fio. Quanto mais esticado estiver esse elástico, mais firme terá de ser o pulso das duas pessoas. Se uma delas se descuidar, mais a outra se magoará. Esta é, para mim, uma boa imagem para definir uma relação. Um jogo de confiança que é tanto mais perigoso quanto mais estreito se torna. Uma dinâmica em que duas pessoas vão definindo diversos comprimentos de ligação, usando de um canal de transmissão para interagir entre si. Um compromisso em que cada um se propõe segurar a sua ponta, criando um laço com o outro e envolvendo-se na promessa de evitar de o largar.
Um elástico é um objecto que serve bem a mudança, os ajustes e as adpatações que a vida exige. Se as relações forem um elástico que duas pessoas seguram, então cada um de nós habita uma teia, um novelo de fibras mais ou menos flexível. Um sistema complexo de malabarismo de responsabilidades em que uns vão, certamente, cair e outros têm, seguramente, de ficar. É necessário prevenir a dor das quebras, usando a elasticidade acompanhada de um tónico de amor próprio. Seguraremos esse fio com a força que suporta o vínculo mais elementar. O desafio é decidir até onde nos deixamos esticar.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Volver

Nem toda a gente tem a oportunidade de voltar ao sítio onde nasceu para concretizar qualquer coisa. Eu tive. É o desígnio de regressar ao colo das primeiras mãos e lembrar como tudo começou. Uma viagem à génese de uma história, à inauguração da vida como um acaso feliz que não deve ser esquecido. Uma ironia dos tempos, cruzando as estradas de rostos e espaços antigos que já não se reconhecem. Uma partida do futuro que nos põe a braços com a temerosa bagagem do passado vivo que importa cuidar. Esta é uma viagem que devíamos ser obrigados a repetir de tempos a tempos. O exercício de limpar o pó aos armários velhos da idade, procurando alcançar a mais primária plataforma de essência que se pode tocar. Nada seria igual se não nos perdêssemos frequentemente daquele ser a quem ampararam os que nos viram nascer. Aquele a quem bastava ser não mais que ninguém. E é tamanha a distância que nos separa desse estado de crueza, que todos os anos não bastariam para lá chegar. Por tudo o que fizemos e que fomos, somos, ao mesmo tempo, mais e menos do que esse sujeito que outros viram crescer. E nessa álgebra complexa de expectativas e concretizações morará, talvez, a pessoa que somos afinal. Nas mesmas mãos crescidas e amadurecidas cabe a fé na prosperidade e os votos da gestação, a generosidade da partilha e a determinação. No mesmo coração crescido e amadurecido jaz o choro do parto e o sangue dos cordões umbilicais cortados, a raiva de sobreviver e a abnegação. No fim das contas, quase nada mudou. Nem sempre amados, nem sempre satisfeitos, nem sempre reconhecidos, insistimos em cair e levantar. Como uma criança pequena, aprender a caminhar rumo a um destino qualquer. Por vezes terei sonhado que tudo fosse diferente mas soube, a todo o tempo, que valeu a pena. A verdade é que mexer na memória é sempre um reencontro. Com todo o desassossego e todo o deleite que isso significa. O meu não podia ter sido melhor.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O amor acontece

Sempre quis escrever um texto com este título. Tratar o amor como um acontecimento solene que está ao alcance de todas as vidas. Tentar explicar onde começa e acaba esta coisa que não tem princípio nem fim. Dizer às pessoas que o amor anda por aí e que nos podemos sempre deixar encontrar por ele. Escrever tudo aquilo que está a uma grande distância da dimensão de todas as palavras.
Sempre quis poder falar da nobreza do sentimento que não se importa com as coisas pequenas e que mora nas pequenas coisas. Que começa com os olhos que se vêem e se querem. Que adormece abraçado às madrugadas e acorda com o hálito das manhãs. Que desarruma os armários do tempo e nos faz tirar das gavetas as melhores peças de nós próprios.
Nunca quis embrulhar uma história numa caixa de recordações. Que não seja tão livre e tão aberta como esse vendaval de sentidos. Que não seja tão gulosa como a luz dos jantares a dois. Que não seja tão cómica como as primeiras gargalhadas partilhadas. Que não seja tão verdadeira como a nudez dos pés descalços. E tão finita e perigosa como outra coisa qualquer.
Nunca quis criar fronteiras ou receitas para o amor. Nem tão pouco embarcar em conjecturas lúcidas sobre o seu conceito. O amor não trata de lucidez nem de definições. Damos por ele depois de instalado e só sabemos que acabou depois de ter partido. Há quase nada que possamos estudar sobre o diagnóstico do amor. Sabe-se apenas que ele é o lugar a partir do qual não há retorno. Mesmo que tudo volte a ser igual, nada fica como dantes.
E esta será condição suficiente para que o meu blog tenha um texto com este nome. A afirmação de que o amor acontece como um facto que está escrito e publicado apesar de tudo o que foi dito antes e independentemente de tudo o que seja exposto depois. Talvez seja esta a posição do amor nas nossas vidas. Uma fatalidade, um intento, uma convicção. Um querer, uma ousadia, um manisfesto. Este é o meu.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Dois

Faz hoje dois anos que adiantei todos os relógios. Compromisso inadiável de ir ao meu próprio encontro. Abri as páginas deste livro com a missão de não mais fechar todas as portas. E foi nestas linhas que voltei a sentir o vento a despentear-me os cabelos.
Faz hoje dois anos que habito em união de facto nesta morada. Uma relação a dois onde o prazer é ilimitado e a mentira é proibida. Gerimos o tempo como quem passeia, recebemos os amigos que vêm por bem e honramos uma promessa voltada para a eternidade.
Faz hoje anos e a palavra dois nunca fez tanto sentido. A busca de um estado de alma que não se vende aos pares mas que se ganha numa dupla. Continuo a procurar esse lugar onde quero ser pontual e assídua. E talvez ele não habite noutro sítio senão aqui.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Dirty Dancing

A dança é o universo de simetrias mais assimétrico que existe. É a história de um contrato silencioso, de uma paixão desigual. O exemplo de que duas mãos dadas podem representar, mais do que uma parceria, um jogo de forças. Um jogo sujo e despojado. Uma guerrilha com dois opositores numa mesma facção.
Há um que se permite mandar. Há outro que se deixa obedecer. Os gestos são revestidos de insinuações, de sórdidas subtilezas de engano, do exercício totalitário de uma intenção. O desafio é antecipar com leveza as instruções, reduzir a tensão da surpresa dos sinais, usufruir da beleza das expressões. O ritmo é o compromisso superior, o poema sobre o qual se desenham recursos estilísticos. As normas dissipam-se no rodopiar dos versos, nas esferas insondáveis da empatia, no odor da canção. Apenas o par prevalece.
Os corpos vão desenhar uma fronteira e depois vão escolher a melhor forma de a vilipendiar. Os pés vão usurpando, uns aos outros, o mesmo espaço. Os rostos vão perseguir-se para além da linha de conforto e vão disputar o mesmo ar. Não há meta, não há mapa, não há medição. A distância de segurança é uma utopia. A única regra é não largar a mão. A pista de dança é o palco para uma luta de poder. A mais estética e lírica batalha de atracção. A súmula perfeita entre o génio de mandar e a arte de obedecer.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sodade

Às vezes não é dos humores da natureza. Nem é da natureza dos humores. É a falta de qualquer coisa.
É o drama da folha branca. É a vida em branco.
Às vezes não é que se pense demasiado. Nem é que se sinta em demasia. É um medo de qualquer coisa.
E perde-se a mão para o tempero. Perde-se a mão ao temperamento.
Às vezes não é do tempo passado. Nem é da passagem do tempo. É a espera de qualquer coisa.
Que não tem hora para chegar. Nem chega com as horas.
Às vezes não é sono. Nem é fome. É um cansaço por qualquer coisa.
E fica-se esvaziado de recheio. Fica-se cheio de vazio.
Às vezes nem é nada. Mas fica-se assim. A implicar com todas as coisas.
É qualquer coisa de sodade. É uma sodade qualquer...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Mulher Mim

O meu elogio ao desempenho da Daniela nesta peça. Por tudo o que disse e fez no contexto da mulher dos nossos dias. Que está em todos os lugares sem ter, efectivamente, lugar. E por tudo o que não podia dizer nem podia fazer em tempo útil num palco mas que nos implicou a todos nós, espectadores, a dizer e a fazer dentro de nós próprios. O teatro tem destas coisas.
Este espectáculo fez-me reflectir sobre a minha condição de mulher naquele que julgo ser o meu papel mais determinante nesta cadeia de influência e de mudança na qual nos vemos todos inteiramente cúmplices e responsáveis – o papel de filha. Creio que a relação parental, mais do que a relação conjugal, jurídica ou profissional, é aquela que mais introduz conteúdo a esta temática. A relação que faz com que uma Mãe repense as suas funções e motivações na formação de outra mulher. A relação que faz com que um Pai questione as suas limitações de ser homem no acolhimento a uma tão avassaladora nova mulher. Que é a filha. Quando, um dia adolescente, eu perguntei ao meu Pai se, caso fosse da minha idade, namoraria comigo e ele me respondeu timidamente... – Não... És muito intelectual. – eu entendi a importância da superação e actualização dos valores, sobretudo ligados às concepções de perfil atractivo entre géneros, que um filho deve operar sobre o legado transmitido pelos pais. Ao reconhecer que muitas das suas perspectivas se encontram encarceradas nas fronteiras de um tempo, entender que a condição de educador de um Pai não é menos válida se necessitada de ajustes e remodelações sociais. Os filhos nascem com tal missão pelo legado, pela educação que têm a receber dos pais, que tantas vezes não se dão conta de que ao existir, ao crescer plena e conscientemente, os educam. Neste âmbito talvez fosse também importante questionar, com fervor, o papel da mulher na educação de um filho homem e em que medida não encontra, especialmente nesse momento, uma fortíssima oportunidade para desafiar o instituído sem egoísmos nem outras correntes moralistas em que se prender...

Este texto foi publicado no primeiro Caderno Magnólia. Uma colecção de depoimentos recolhidos a partir de espectadores de teatro. Este tem a voz das mulheres que assistiram à peça Mulher Mim. Obrigada.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Come as you are

Não pode haver hoje outro luxo senão o de poder sentir a textura da pele. A pele, ela própria, sem filtros, sem desculpas, sem conservantes. Vamos acumulando camadas como quem se agasalha para o frio. Vamos coleccionando fachadas como quem habita a sós um vazio. E a pele, ela própria, que nos embrulha com aparente inutilidade, fica prisioneira de todos os sentidos. A pele, ela própria, por onde andamos perdidos, esconde uma verdade adulterada. Irrespirável. Pergunto-me qual será a saída dessa estrada.
Mas eu posso ir contigo para os nós do novelo. E posso embrulhar-me nessas camadas noite adentro. E passear contigo pela rua. O meu humor pode quebrar o teu escudo. Podemos sentar-nos no chão sem medo de sujar a roupa. O meu calor pode derreter a tua capa. Vamos dançar lá ao fundo, fora de horas, depois das camadas. Eu posso fazer escorregar essa máscara. Abraçar-te. E despidos talvez possamos ler a pele.
Não quero filtros, não quero desculpas, não quero conservantes. Um dia eu vou chegar ao lugar onde assentam todas as camadas. Até lá esconderemos, com o pouco que somos, o muito que temos para dar.