terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Volver

Nem toda a gente tem a oportunidade de voltar ao sítio onde nasceu para concretizar qualquer coisa. Eu tive. É o desígnio de regressar ao colo das primeiras mãos e lembrar como tudo começou. Uma viagem à génese de uma história, à inauguração da vida como um acaso feliz que não deve ser esquecido. Uma ironia dos tempos, cruzando as estradas de rostos e espaços antigos que já não se reconhecem. Uma partida do futuro que nos põe a braços com a temerosa bagagem do passado vivo que importa cuidar. Esta é uma viagem que devíamos ser obrigados a repetir de tempos a tempos. O exercício de limpar o pó aos armários velhos da idade, procurando alcançar a mais primária plataforma de essência que se pode tocar. Nada seria igual se não nos perdêssemos frequentemente daquele ser a quem ampararam os que nos viram nascer. Aquele a quem bastava ser não mais que ninguém. E é tamanha a distância que nos separa desse estado de crueza, que todos os anos não bastariam para lá chegar. Por tudo o que fizemos e que fomos, somos, ao mesmo tempo, mais e menos do que esse sujeito que outros viram crescer. E nessa álgebra complexa de expectativas e concretizações morará, talvez, a pessoa que somos afinal. Nas mesmas mãos crescidas e amadurecidas cabe a fé na prosperidade e os votos da gestação, a generosidade da partilha e a determinação. No mesmo coração crescido e amadurecido jaz o choro do parto e o sangue dos cordões umbilicais cortados, a raiva de sobreviver e a abnegação. No fim das contas, quase nada mudou. Nem sempre amados, nem sempre satisfeitos, nem sempre reconhecidos, insistimos em cair e levantar. Como uma criança pequena, aprender a caminhar rumo a um destino qualquer. Por vezes terei sonhado que tudo fosse diferente mas soube, a todo o tempo, que valeu a pena. A verdade é que mexer na memória é sempre um reencontro. Com todo o desassossego e todo o deleite que isso significa. O meu não podia ter sido melhor.

Sem comentários:

Enviar um comentário