domingo, 27 de fevereiro de 2011

Elasticidades

Duas pessoas seguram um elástico. Cada qual suporta uma ponta desse fio. Quanto mais esticado estiver esse elástico, mais firme terá de ser o pulso das duas pessoas. Se uma delas se descuidar, mais a outra se magoará. Esta é, para mim, uma boa imagem para definir uma relação. Um jogo de confiança que é tanto mais perigoso quanto mais estreito se torna. Uma dinâmica em que duas pessoas vão definindo diversos comprimentos de ligação, usando de um canal de transmissão para interagir entre si. Um compromisso em que cada um se propõe segurar a sua ponta, criando um laço com o outro e envolvendo-se na promessa de evitar de o largar.
Um elástico é um objecto que serve bem a mudança, os ajustes e as adpatações que a vida exige. Se as relações forem um elástico que duas pessoas seguram, então cada um de nós habita uma teia, um novelo de fibras mais ou menos flexível. Um sistema complexo de malabarismo de responsabilidades em que uns vão, certamente, cair e outros têm, seguramente, de ficar. É necessário prevenir a dor das quebras, usando a elasticidade acompanhada de um tónico de amor próprio. Seguraremos esse fio com a força que suporta o vínculo mais elementar. O desafio é decidir até onde nos deixamos esticar.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Volver

Nem toda a gente tem a oportunidade de voltar ao sítio onde nasceu para concretizar qualquer coisa. Eu tive. É o desígnio de regressar ao colo das primeiras mãos e lembrar como tudo começou. Uma viagem à génese de uma história, à inauguração da vida como um acaso feliz que não deve ser esquecido. Uma ironia dos tempos, cruzando as estradas de rostos e espaços antigos que já não se reconhecem. Uma partida do futuro que nos põe a braços com a temerosa bagagem do passado vivo que importa cuidar. Esta é uma viagem que devíamos ser obrigados a repetir de tempos a tempos. O exercício de limpar o pó aos armários velhos da idade, procurando alcançar a mais primária plataforma de essência que se pode tocar. Nada seria igual se não nos perdêssemos frequentemente daquele ser a quem ampararam os que nos viram nascer. Aquele a quem bastava ser não mais que ninguém. E é tamanha a distância que nos separa desse estado de crueza, que todos os anos não bastariam para lá chegar. Por tudo o que fizemos e que fomos, somos, ao mesmo tempo, mais e menos do que esse sujeito que outros viram crescer. E nessa álgebra complexa de expectativas e concretizações morará, talvez, a pessoa que somos afinal. Nas mesmas mãos crescidas e amadurecidas cabe a fé na prosperidade e os votos da gestação, a generosidade da partilha e a determinação. No mesmo coração crescido e amadurecido jaz o choro do parto e o sangue dos cordões umbilicais cortados, a raiva de sobreviver e a abnegação. No fim das contas, quase nada mudou. Nem sempre amados, nem sempre satisfeitos, nem sempre reconhecidos, insistimos em cair e levantar. Como uma criança pequena, aprender a caminhar rumo a um destino qualquer. Por vezes terei sonhado que tudo fosse diferente mas soube, a todo o tempo, que valeu a pena. A verdade é que mexer na memória é sempre um reencontro. Com todo o desassossego e todo o deleite que isso significa. O meu não podia ter sido melhor.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O amor acontece

Sempre quis escrever um texto com este título. Tratar o amor como um acontecimento solene que está ao alcance de todas as vidas. Tentar explicar onde começa e acaba esta coisa que não tem princípio nem fim. Dizer às pessoas que o amor anda por aí e que nos podemos sempre deixar encontrar por ele. Escrever tudo aquilo que está a uma grande distância da dimensão de todas as palavras.
Sempre quis poder falar da nobreza do sentimento que não se importa com as coisas pequenas e que mora nas pequenas coisas. Que começa com os olhos que se vêem e se querem. Que adormece abraçado às madrugadas e acorda com o hálito das manhãs. Que desarruma os armários do tempo e nos faz tirar das gavetas as melhores peças de nós próprios.
Nunca quis embrulhar uma história numa caixa de recordações. Que não seja tão livre e tão aberta como esse vendaval de sentidos. Que não seja tão gulosa como a luz dos jantares a dois. Que não seja tão cómica como as primeiras gargalhadas partilhadas. Que não seja tão verdadeira como a nudez dos pés descalços. E tão finita e perigosa como outra coisa qualquer.
Nunca quis criar fronteiras ou receitas para o amor. Nem tão pouco embarcar em conjecturas lúcidas sobre o seu conceito. O amor não trata de lucidez nem de definições. Damos por ele depois de instalado e só sabemos que acabou depois de ter partido. Há quase nada que possamos estudar sobre o diagnóstico do amor. Sabe-se apenas que ele é o lugar a partir do qual não há retorno. Mesmo que tudo volte a ser igual, nada fica como dantes.
E esta será condição suficiente para que o meu blog tenha um texto com este nome. A afirmação de que o amor acontece como um facto que está escrito e publicado apesar de tudo o que foi dito antes e independentemente de tudo o que seja exposto depois. Talvez seja esta a posição do amor nas nossas vidas. Uma fatalidade, um intento, uma convicção. Um querer, uma ousadia, um manisfesto. Este é o meu.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Dois

Faz hoje dois anos que adiantei todos os relógios. Compromisso inadiável de ir ao meu próprio encontro. Abri as páginas deste livro com a missão de não mais fechar todas as portas. E foi nestas linhas que voltei a sentir o vento a despentear-me os cabelos.
Faz hoje dois anos que habito em união de facto nesta morada. Uma relação a dois onde o prazer é ilimitado e a mentira é proibida. Gerimos o tempo como quem passeia, recebemos os amigos que vêm por bem e honramos uma promessa voltada para a eternidade.
Faz hoje anos e a palavra dois nunca fez tanto sentido. A busca de um estado de alma que não se vende aos pares mas que se ganha numa dupla. Continuo a procurar esse lugar onde quero ser pontual e assídua. E talvez ele não habite noutro sítio senão aqui.