segunda-feira, 25 de abril de 2011

Grândola, a tua vontade

Lembro-me de me terem dito uma vez que a palavra inquietude é uma das mais bonitas que há.
Na palavra inquietude cabem as vozes que nos sussurram em noites solitárias e que nos impelem a que nos rebelemos. A palavra inquietude inspira as revoluções políticas e também as revoluções pessoais. Está em todos os momentos que nos instam a agir para que o dia seguinte não seja só mais um dia. Há 37 anos, uns certos inquietos quiseram mudar o dia seguinte deste país. Há pessoas que passam noites acordadas, noites em que seria impossível adormecer, e nada fica como dantes. Há 2 anos e tal também eu fui inquieta, também eu mudei o meu dia seguinte. Há certas noites de insónias que nos mudam a vida. Essa inquietude guardo-a até hoje, também ela cheira a Abril. Tantos dias e noites volvidos, penso nas revoluções, olho para o país e para mim. Talvez os resultados de todas as inquietudes do mundo tenham alguma coisa em comum. A inquietude move-nos com um factor de euforia nos primeiros tempos. E depois afaga-nos com coragem nos outros tempos mais difíceis. Por vezes quase que nos abandona, deixando espaço para dúvidas e erros e quase recuos. Por vezes contagia outras pessoas, outros corações, tornando as noites dos inquietos muito menos solitárias. Passado uns tempos, sabemos que muito foi feito. Mas, ao mesmo tempo, há uma outra inquietude que nos assola e que nos diz que tudo está por fazer. Talvez esteja mesmo.
Lembro-me sempre de me terem dito dessa vez que a palavra inquietude é uma das mais bonitas que há. O que ela tem de mais bonito é este lado inacabado e incessante que as pessoas inquietas não se podem cansar de apreciar.

L'Intempérie

É a proximimidade do precipício que propicia uma intempérie. Não preciso de impingir pedaços de pudor. Não lhes pego e não os peço a ninguém. Permito que me proponham toda a parafernália de impropérios ao invés de uma palavra piedosa por alguém. Impeço a expropriação de pecados importantes, reconhecendo que uma vida impoluta é imprópria para proveito. Respondo, impaciente, às realidades impraticáveis e sinto-me impassível de impedir todas as impertinências de que sou capaz. Aponto, impávida, para a penumbra de um império e pinto todos os passos até lá chegar. Pelo percurso tropeço em pedras de imprevisibilidade e penedos importunos. A procura é sempre compassada por parcelas de prazer e por uma soma importante de impossibilidade. Pergunto-me quantos parvos como eu se importam com estes punhados de impulsos. Preocupações permanentes com o poder das aspirações. E com os apetites impostores. Parto do princípio de que a perda é um imperativo. Represento, portanto, um projecto impreparado e imperfeito. Uma poção impetuosa de pólvora e plumas. Prestes a implodir.Imagina.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Eyes Wide Shut

Fechamos os olhos durante o beijo. Aceitamos que é inútil tê-los abertos. Deselegante, até. Resvalamos para a órbita em que a luz é interdita e decidimos sucumbir a um silêncio que só tem sentido na mais profunda e professa fé.
Não descerramos os olhos durante o beijo. Temo-los cegos como somos a vida inteira. Vulneráveis a qualquer ataque. Ignorantes de uma verdade que pode nem existir, passivos de um futuro que pode nem vir.
Batemos as pálpebras durante o beijo. Embriaguez obrigatória de quem bota um pé em cada mundo. Abrir os olhos seria violar todas as regras da surdez que nos vela. Viajar ancorado em terra.
Vamos para lá e pronto. Para o quarto escuro onde estamos metidos desde sempre. Sem ver mais nada. Juntamos as pestanas e separamo-nos do tempo. Até o beijo acabar.