sexta-feira, 20 de abril de 2012

qualquer coisa

Escrevo-te porque essa música que tu puseste a tocar era qualquer coisa. E porque o dia em que tu apareceste, estendendo a mão, não foi uma coisa qualquer. Porque tu tens uma alegria saudável, um jeito desajeitado de ser engraçado, um encantamento que não há na maioria das coisas. Porque fazes estender o meu horizonte para além da linha normal, das paisagens normais, onde as nuvens adormecem. Porque fazes alargar a minha visão para além da rotina corriqueira, das atitudes corriqueiras, onde a inquietude adormece. E porque isso não me provocam as pessoas quaisquer. Há força na tua história, na tua energia, na tua memória. E o nosso riso tem a mesma ternura, o mesmo vocabulário descodificado, a mesma abertura. Porque tu me inspiras essa coisa doida de ser livre, de piscar o olho ao medo, de ser melhor. E há verdade na tua intenção, na tua canção dedilhada, na tua maneira açucarada de te dares. Escrevo-te porque tu tornas a minha vida mais viva, a minha fé mais atenta a tudo o que mexe. E porque nós já estamos, como diz o Caetano, para lá de Marraquexe...

segunda-feira, 2 de abril de 2012

creep

O passado hostil é uma fechadura. Fica lá, enclausurado, desfalecido sobre a sua própria esterilidade, enegrecido pela sua própria escuridão, abandonado pela sua própria inutilidade. Fica lá, a mofar, nessa ala reservada às coisas medíocres, inferiores a cada uma e a todas as coisas. O passado violento é isso mesmo, uma porta fechada sobre si própria, uma realidade que não deve bater à porta de ninguém. Fica lá, naquela entrada que só serve para sair, numa ponte fantasma, quebrada, que só serve para desunir. Fica lá, numa sombra onde nunca faz luz, numa conta sem saldo. Dissolvido, insolvente. O passado vão é isso mesmo, um lugar onde não se quer ficar, uma dívida que não se quer cobrar, um pretenso caminho que nunca vai lá chegar.