domingo, 31 de janeiro de 2010

(H)eras

Os tempos vão sucedendo, quase imperceptivelmente, como os dias de Inverno que trepam lentamente, crescem e passados meses retornam.
Ainda em Janeiro será escusado falar de outra coisa senão dos tempos que levemente atraiçoam os números e as ideias, amplificando de forma ancestral pensamentos novos e arrumando com jovialidade sentimentos velhos.
A conta certa dos tempos não são os impenetráveis e estreitos ponteiros do relógio nem a soma de Janeiros que carregamos ao largo sombrio dos olhos cansados... mas antes o produto da idade que lhes equacionamos.
A idade é uma empresa familiar que padecerá então de crónica insolvência... Ao mesmo tempo que acrescenta solução para muitos problemas, cria entretanto muitos problemas sem solução.
A raiva da fatalidade e o sonho da imortalidade são duas formas de problematizar... A noção da incapacidade de conter o tempo e a conquista de capacidades para dar destino a esse tempo são duas formas de solucionar...
Com a quimera na cabeça e a rasura nas mãos, cogita a hera calada dos tempos sãos.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Right to be Wrong

Digamos que cada um se compõe de um percurso bipartido e inflectido sobre si próprio, onde coexistem e combatem as duas almas em guerra de que falava o Jorge Palma. Nenhuma delas vai ganhar.
Entenda-se então que a especificidade de cada um reside na diferença, forma e dimensão do hiato entre o que é sabido e o que resta conhecer.
Árdua tarefa de construir um império com nexo e esforço de causalidade quando toda a ordem pragmática e muitas vezes dogmática do saber de hoje pode estar tão absolutamente despedaçada amanhã. E mais ainda quando a sapiência de que nos valemos hoje possa estar tão desfeita para os olhos de quem antes de nós tenha já conhecido esse amanhã...
Acabo por concluir de forma assaz embaraçada e surpresa que aquilo que em surdina nos une não será, inesperadamente, o mesmo tipo de conhecimento mas, por outra, fatalmente, o mesmo tipo de ignorância.
Mais curioso é que mesmo sendo a ignorância a companheira mais fiel de que cada um dispõe para percorrer as montanhas da vida, não será demais verificar que, mesmo assim, cada qual tem uma forma mais ou menos adúltera de a deglutir.
Tudo para dizer que, sendo ser pensante a todo alguém cabe ser também ignorante, supondo para isso a probabilidade de errar como a verdade mais fatídica... e a hipótese de acertar como a mentira mais onírica...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

M'aturar

E começa assim mais um ano entre os votos apressados do futuro e outras determinações de anos velhos que ficam sempre interminadas, encontrando assim a sua conclusão nesse irremediável ou remediado sem tempo a que a impossibilidade as sujeita. Entre o frio e a chuva, como alguém dizia, Janeiro demora. E parece que, até ser possível sobreviver a mais um, a vida não arranca. Tenho observado que o passar do tempo traz novos chuvosos e gélidos janeiros interiores que encontram o seu primeiro sintoma em fortuitas lágrimas que teimam em brotar em comemorações e ocasiões especiais. Parece o glorioso carregar ameno de rigorosos invernos passados que, já à lareira, ainda humedecem um último chorar. Parece que uma certa robustez antiga obriga a uma pontual consagração e tributo, começa a revestir todas as efemérides de mais qualquer coisa... para além da ligeireza do presente e a nebulosa do futuro. Parece que o início do ano já não pode mais vir só e uma certa armadilha mecânica não poderá jamais adulterar para zero o contador. Parece que toda a renovação sazonal demora em si num qualquer e pontual Janeiro que tarda em passar... (causa provável de precipitação impossível de s'aturar) ...residindo nele esta nova e genuína capacidade de m'aturar.