quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Let it rain

As toalhas de papel dos restaurantes práticos servem para os artistas escreverem desenhos e para os poetas desenharem estrofes. E para os casais apaixonados imortalizarem juras de amor. As toalhas de papel dos restaurantes práticos servem para sujar, para rasgar ou para guardar. Servem para alimentar de instantes extraordinários a selva medonha da vida vulgar. As toalhas de papel dos restaurantes práticos servem para ensopar as pingas de chuva que escorrem dos casacos e dos cabelos nas noites escuras. Servem para acamar restos de comida e vinho derramado e grãos e migalhas de todas as espécies. Servem para aparar a amargura dos gritos ou a doçura dos sussurros ou o alarde das gargalhadas durante a refeição. 
É importante escrever isto, que tenho como uma evidência. Há desenhos que não têm aproveitamento e há estrofes que ninguém lê. E há juras de amor que alguns teimarão em esquecer. Secam as pingas de chuva dos casacos e dos cabelos. As noites escuras vão desaguar na alvorada duma manhã qualquer. O vinho derramado já não volta para o copo e as migalhas nunca vão passar disso mesmo. Resta a amargura, a doçura e o alarde. As toalhas de papel dos restaurantes práticos servem para dar as boas-vindas à vida verdadeira que nos servem à mesa, onde repousamos os talheres da selva medonha da vida vulgar. Servem para embrulhar os resíduos descartáveis dos momentos de prazer durante a refeição.

sábado, 5 de novembro de 2011

Attraversiamo

Há coisas que são sempre uma montanha ou um abismo. Ou, por outra, as melhores coisas são sempre, simultaneamente, uma montanha e um abismo. Os momentos determinantes são assim e as pessoas determinantes também. Não são só uma estrada inconsequente que percorremos, sem emoção, rumo a qualquer parte. Não. São uma travessia extasiada entre dois pontos mais ou menos vertiginosos e que pode acabar num cume ou num fundo, com consequências diversas para todas as partes. Nenhuma outra nos pode fazer mais coloridos e mais acordados e mais crescidos e, no fim de contas, mais felizes. As coisas importantes são sempre um salto tresloucado que pode acabar num voo ou num trambolhão. A vida desvairada que se vai alimentando do vício do verbo desejar. A coragem mais sincera de todas é suficiente para colocar o pé na outra ponta do patamar. E para chamar as coisas pelos nomes, avançando para esse lugar onde qualquer paladar vai ter outro sabor. Tudo ou nada. Atravessamos.