quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Lazy song

Hoje não me apetece fazer nada. Nem metáforas nem anáforas nem hipérboles nem eufemismos. Nem lógicas para vírgulas, cuidadosamente posicionadas, em frases com ponto final. Nem me apetece querer ser eficiente e perspicaz e conveniente. Hoje talvez nem seja necessário querer ser inteligente.
Só é preciso adormecer sobre um sofá qualquer. Acordar sem relógio e arrancar para parte nenhuma. E tomar o pequeno-almoço noutra caneca, noutra mesa, outra coisa. Sem tomar ao mesmo tempo o que era antes e o que vai ser depois. Só eu e a minha manhã numa caneca diferente.
Quando eu voltar, talvez haja deveres, apetites, tarefas a arder por toda a parte. Por ora, a única coisa que escalda é a areia da praia. Da preguiça que me chama. E o mar, inundado de inconsequência, que me quer mergulhar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

I can see clearly now

Chegou devagarinho, pela ponta duma pestana. Depois instalou-se, de repente. Era o franzir do sobrolho, o esfregar os olhos. Era enxergar um mundo amuado em tom turvo. Era a falta de nitidez para poder apreciar o pormenor na lonjura. Era o horizonte a acabar cedo demais. Era a visão, na sua dimensão mais quotidiana e elementar, a fugir-me da vista.
A incapacidade para ver será, em todos os sentidos e dimensões possíveis, uma questão limitativa. Cada qual vai alimentando uma espécie muito particular de miopia, impedindo-se de focar, em simultâneo, duas dimensões. O que está próximo e o que está afastado, o que é prioritário e o que é secundário, o que importa e o que não interessa. Toda a óptica do essencial tem o seu requinte. E, para todos os que o procurem, existirão os mais preciosos óculos.
Agora já os tenho aqui, no seu poleiro, no topo do mundo, sentados em cima do meu nariz. Agora ficou tudo mais claro. As legendas dos filmes, as copas das árvores, a expressão dos rostos. Toda e cada coisa que está para além do que as mãos conseguem agarrar. Agora já percebi que, por vezes, não temos o alcance para chegar ao detalhe que é preciso. Que, talvez com uns óculos, seja possível ver a vida melhor.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Mea culpa

Eu não sei bem se a procura da culpa é uma tendência feminina ou se é uma tendência cristã ou se é uma tendência humana. Sei apenas que a assunção da culpa é uma mistura esquisita de masoquismo com responsabilidade. Uma espécie de mochila de campismo cheia de tralha que se leva às costas e que não nos deixa chegar a acampar, efectivamente, em lado nenhum.
Eu não sei bem se é a minha inteligência ou se é a minha burrice que me manda assinar os papéis deste negócio estúpido de compra e venda de acusações. Sei apenas que talvez haja delitos sem dono e arguidos sem rosto e processos prescritos sem sanções.
Eu não sei bem se a grande culpa é cometer um erro ou se o maior erro é culpar-se demais. Sei apenas que, por vezes, há um travo de insanidade na culpa. Um delírio feito de mentiras e temperado de certezas. Em que a consciência e a inconsciência são iguais.