Vem do lado de lá, estranhamente inconfundível entre as outras
pessoas. Ele reconhece-a pelo caminhar balouçado, entortando ligeiramente o mesmo
pé direito. E surpreende-se pela forma como o seu desajeitado modo de pisar
resulta tão bem com a leveza assimétrica e perfeita das generosas ancas dela.
Depois identifica a mesma postura nos dedos das mãos, esguios e finos,
esgueirando-se pontualmente nas marrafas fartas do cabelo teimoso. As mesmas
mãos compridas, mas dela, paradoxalmente mais brandas e mais claras,
perplexamente iguais. Em segundos, ela desvia os caracóis das mesmas
sobrancelhas abundantes, mas mais desenhadas, quando enfoca um castanho profundo
no fundo do mesmo arqueado dramático do seu olhar. Tão semelhante a expressão
de sonho e de susto, e o idêntico pestanejar distraído quando decidem voltar a
cabeça para outro lado. É o mesmo gosto pelas roupas claras, a mesma maneira de
traçar a mala de couro, a mesma tendência pelo lado mais interior do passeio. Aquela
versão delicada e eufemística da sua maneira desleixada de ser banal. E o
inconfundível atributo de reparar em tudo sem fazer alarido, sem dar sinal de
nada. Enquanto os dois se aproximam, ele tem a certeza de que ela vai abordá-lo
com um sarcasmo delicioso, uma alusão irónica aos caracóis ou uma piada
desconcertante sobre o destino em que ambos acreditam sem querer. De tal forma
que, quando ela se aproxima, ele adivinha-lhe o seu cheiro sem perfume e sabe
que, quando ela o tocar, vai querer perfumá-la desse mesmo odor. Enquanto eles
caminham para a colisão que ele espera, ele sabe que, se ela for mesmo igual a
ele, não vai evitar de desarmá-lo com uma frase tonta, e vai fazê-lo parar com
uma suavidade só sua, mas mais atraente, e a seguir fazer uma conversa
encantadora sobre uma coisa qualquer. Enquanto as sapatilhas rafadas dele se
cruzam com as sandálias velhas dela, ele tem a certeza de que, se ela for mesmo
igual, vai voltar atrás logo de seguida, com um gesto descontraído e cheio da
energia dele. Ou, melhor, se ela for mesmo igual a ele, até talvez espere um
pouco mais, só para tornar tudo mais demorado. Só para depois querer voltar
atrás. Só para depois querer ter voltado atrás.
Permita-me que lhe diga que tem uma escrita bastante apelativa. Tem algum livro publicado?
ResponderEliminarAinda não! Mas é um projecto que quero realizar.
ResponderEliminarMuito obrigada pela visita, pela leitura atenta e pelas palavras de incentivo.
Permita o meu atrevimento ao dar-lhe o seguinte conselho: a sua escrita será sempre sua, ainda que exposta a todos. Nunca aceite a sua adulteração para resultar mais mainstream e trivial.
ResponderEliminarBoas escritas.
:) sim, a minha escrita será sempre minha. Muito obrigada!
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