quinta-feira, 15 de julho de 2010

Outra vez

Hoje regresso a casa e, adivinhem o quê, outra vez menos alguém aqui. Outra vez menos alguém com quem me cruzar ou acenar, outra vez menos alguém para tomar conta disto até eu voltar. Outra vez menos alguém a quem servir um copo, menos alguém sobre quem comentar, especular ou até inventar aqui ou ali. Que é o que fazemos tantas vezes às pessoas da terra, num sadismo carinhoso que só podemos exercer enquanto as trazemos cá. Outra vez menos uma fatia de bolo ou um desejo que se partilha pelos anos ou mesmo menos um carro pela estrada ou um olhar pela casa que fundamos no mesmo solo. Menos. Menos uma e outra vez. Essa sensação revezada de que uma mutilação silenciosa se evade por estas ruas, arrastando para o álbum das recordações soturnas, como monumentos petrificados algures, as pessoas de quem há bem pouco tempo se sabia novidades. Uma e outra vez e vezes demais e sempre por enquanto até à próxima vez esse estranho fuzilamento que os apaga, aniquilando-nos também, e reunindo inutilmente gente porreira com óculos de sol no largo da igreja. E outra vez o caminho do qual não se fala e donde sairemos jamais ilesos, onde nos vemos outra vez menos perto daqueles que foram o nosso presente desembrulhado e que agora jazem no embrulho dos sempre chorados e esquecidos bons velhos tempos. Mais. Ao fim de contas agora fica mais por fazer e por herdar. Mais e maior a responsabilidade de regressar. Mais triste será a alegria dos fogos pela festa anual e mais teremos nós que a saber festejar. Mais espaço sobrará nas avenidas por onde passear. Mais fraga a crescer nestes matos, mais portas por desenferrujar. Mais um post inútil neste quadro, sobre aquelas vezes em que custa voltar. Hoje eu volto a casa outra vez e, mais do que nas outras vezes, hoje como nenhuma vez... vezes sem conta e eu sem ver nunca mais a casa para onde queria voltar.

Sem comentários:

Enviar um comentário