quarta-feira, 7 de julho de 2010

Esquadros

É especialmente curioso quando eu vou a um concerto. Quando eu vou a um concerto e acontece acompanhar um cantor numa música. E subitamente até fico constrangida ao ver que ele se engana frequentemente na letra. Eu a passar anos da minha vida para decorar uns versos quase de propósito para aquela noite em que se proporciona cantarmos juntos, naquele mil vezes sonhado dueto perfeito... para ele acabar por cantar uma coisa diferente. Mas eu desculpo. Praticamente sempre. Chego mesmo a aplaudir. Eu valorizo a sua criatividade e ele certamente não se incomoda com o espaço ocupado pela minha imaginação no meio da gente toda. Conseguimos frequentemente esta coisa difícil que é citar versos diferentes de uma mesma canção e depois termos cada um a mesma alegria pacífica e silenciosa. A partir do momento final, e irremediavelmente, eu recomeço a minha vida com as minhas rimas daquela canção e ele vai continuar a espalhar as suas por outro palco qualquer.
Talvez até seja verdade que o melhor de um concerto resida neste hiato descompassado entre o ritmo do artista e o tempo individual dos elementos do público, todos a apresentar repentinamente uma mesma peça que cada qual tantas vezes treinou sozinho. E que nunca mereceu um ensaio geral.
A incorrecção semântica entre as palavras da melodia do cantor e a letra da audiência oferecem significado infinito ao espectáculo, sendo que a errância das sílabas que unem os dois mundos mora no abismo de conceitos de que as canções se fazem.
As noções perdem-se no ar dos anfiteatros entre mensagens sem remetente e códigos sem destinatário, apresentando essa reunião insólita de equívocos, nas linhas de um mesmo poema, o verdadeiro fio desconcertado com que se cosem os concertos.

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