terça-feira, 14 de setembro de 2010

Rentrée

E subitamente todos regressamos às nossas secretárias. Arrumamos as malas de viagem e voltamos aos passeios rotineiros que nos transportam para a realidade quotidiana. Por esta altura a Graça e o Morais fecham os cofres das bolas de Berlim fresquinhas e os gelados que sobraram nos cafés começam lentamente a ganhar gelo. Os nadadores-salvadores arrumam os calções de banho e as meninas da praia regressam à escola, onde vão acabar por perder o bronze. Os autocarros voltam a encher-se de pessoas com ténis e livros e borbulhas e romances adolescentes. A política, a justiça e o futebol voltam a preencher a nossa agenda ao mesmo tempo que as indústrias de chocolates caros fazem novamente abrir as suas linhas de produção. Em meia dúzia de dias as folhas caem de caducas e nós continuamos a teimar em calçar as sandálias até uma chuvada encher de terra molhada os nossos pés. Tudo faremos para não deixar a nossa vida congelar. Os projectos brotam em catadupa esticando os dias que se vão encurtar e as noites serão mais doces quando o frio chamar ao seu posto o chá e o leite quente. Alguns amores de Verão vão amadurecer à lareira, outros vão entrar em hibernação. A escuridão alimentará o rigor das noitadas de trabalho e os cachacóis o charme do frio. Nessa altura a iluminação pública será a companheira dos transeuntes tardios e os chapéus-de-chuva os abrigos das conversas mais inspiradoras. A geada voltará a encher de frescura o odor das manhãs e será esse o cheiro misterioso dos dias vencedores. As temperaturas tratarão de tornar os sonos mais ternos e os dias menos ociosos, favorecendo ainda os desejos de castanhas assadas. Setembro tem esta melancolia do abandono de tudo o que se tem a perder para voltar a recomeçar. Setembro talvez seja uma espécie de Janeiro verdadeiro que marca a cadência do passar dos anos. E os calendários dos desafios. E os votos de coragem. Sobrevivemos. E necessitamos absolutamente de vestir camisolas de lã e depois vestidos e depois novamente agasalhos. E assistir ao fado perpétuo da natureza que se despoja sem medo. Para nascer outra vez. E subitamente regressar é o movimento imperioso que permite a cada um decidir voltar ou não a partir.

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