domingo, 5 de setembro de 2010

A Metafísica das Marés

O mar apresenta-se talvez como um infinito incomensurável de impulsos ignorados onde insistimos enfim penetrar. Insinua-se hercúleo e estimulante como um vago horizonte evasivo que se estende numa perpétua e muda hesitação entre ir e voltar. Afaga e seduz as massas nesse impasse interdito da inconstância das ondas e obedece implacável à coragem impossível de quem, sem açaimo nem rédeas, o pretende domar. No oceano como na vida há certas águas imprudentes e destemidas impassíveis de se navegar.
Sobre as ondas o mesmo poder proibido que concerne às incógnitas, a mesma manipulação profética que a racionalidade académica tenta construir sobre a natureza. Ambas as concepções tão inúteis e redutoras perante o poder libertador de um mergulho coloquial e sem erudição, surdo em relação à honesta eloquência dos versos e à manifesta vagueza da ciência.
O mestre mar ensina-nos a saltar para acompanhar os movimentos mais bondosos, adaptando o corpo ao ritmo insondável que nos embala. Explica-nos que temos de nos deixar ultrapassar pelas oscilações mais fortes, sob pena de acabar irremediavelmente por nos levar. Convida-nos a avançar para levadas de feição e obriga-nos e desertar quando um impulso irascível parece a todo o custo puxar para um lugar onde não queremos ir. O mar talvez não seja o lugar mais seguro para quem procura apenas a certeza de ficar mas será certamente o cenário ideal que quem pretende sentir a vertigem iminente de partir.
Para corresponder convenientemente aos desideratos do gigante mais ardiloso, às vezes é preciso erguer-se lentamente sobre a prancha, outras vezes há que saltar para ela a pés juntos, sem esperar que em nenhum dos casos o resultado seja propriamente maravilhoso. O terror é a assunção da fraqueza da vontade própria ante a rudeza de um movimento superior que debalde nos engole e se estende impávido numa areia qualquer... Surfar na rebentação pode ser, na vida como na física, o voto da superação do estado de equilíbrio instável. Alcançar a estabilidade pode ser, mais na vida do que na engenharia, uma manobra improvável.

2 comentários:

  1. Há que compreender as fases do mar e da lua.
    A inquietude do mar resultam de constantes influencias ou de inquietude externa.
    Às vezes, por se pintar em tons de azul claro confundem-no com o céu. Mas há um horizonte que os separa, embora essa separação possa não ser assim tão linearmente perceptível. O mar poderá até combinar com o céu um bom dia mas de nada valerá para os que ainda estão por detrás do nevoeiro.
    Nem sempre o mar transparece tudo o que contém mas os que vivem dos seus frutos compreendem-no: conhecem os seus riscos e as suas fases, e aprendem a não temê-lo, respeitosamente. Muitos não poderiam sequer viver longe dele.
    Podem procurá-lo pelo risco e pela adrenalina ou simplesmente para se deixar soprar pela frescura da bonança.
    Para mim: o mar é belo. Aceito no entanto que haja discórdia porque afinal: "a beleza está nos olhos de quem vê".

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  2. Essa beleza do mar é a mesma de todas as coisas lascivas e fugidias que amamos enquanto nos escorrem inevitavelmente entre os dedos e que somos incapazes de conter. Com elas se espraia a vida, que é como as marés: tão depressa se enche como rapidamente se esvazia. Sucessivamente.

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