sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Pelas plumas de Platão

Seria importante haver um momento dedicado a toda a parefernália de confissões apaixonantes. Abríamos os armários enclausurados e era desatar a contar do nosso amor platónico àquela pessoa que nunca desconfiou. E então podíamos falar desalmadamente das vezes em que a olhávamos sem ninguém ver e recorríamos a métodos inusitados para ouvirmos o que dizia. Em que recolhíamos informações muito específicas de forma a alimentar um imaginário com requintes de realismo. E temíamos com terror o dia em que essa pessoa nos aparecesse pela frente e afinal fosse só mais uma pessoa normal. Mesmo sabendo que ela estava tão longe de saber de nós... que nem tropeçando nos veria. Fico aborrecida com a solidão que envolve estes segredos. E acho piada à idade porque devolve um charme renovado à sua declaração. Voltamos a ver a pessoa depois de mil anos e ainda a conhecemos como só nós poderíamos. E ela sem saber que uma desconhecida parte de si terá habitado noites a fio a memória de um estranho envergonhado... capaz de a conservar como um secreto presente.
Talvez valha a pena fazê-la feliz.
Talvez o Natal seja feito de muitos presentes destes. De votos e confissões que encontram numa quadra de sensibilidades o seu melhor contexto. De palavras escondidas em rotinas quotidianas, de gestos abafados pelo silêncio, de desejos de amor por concretizar. Quando oferecemos o tesouro de uma paixão escondida a alguém, há qualquer coisa de incondicional que é irrepetível. Que nos liberta para uma imensa capacidade de dar e que nos faz sentir que já poderíamos morrer mais descansados. Não valeria a pena ter tido borbulhas, não valeria a pena ter sido adolescente se não fosse para aprender a sentir assim. Há qualquer coisa que sobra de nós para aqueles que amamos. É preciso oferecer essa herança enquanto ainda existirem apaixonados, antes que as vidas e as consoadas se esvaziem. Feliz Natal.

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