domingo, 15 de fevereiro de 2009

A confiança é um lugar estranho

"Um adulto é uma crinaça que o mundo inteiramente enganou."
António Alçada Baptista
Andar entre a multidão é hoje percorrer um impessoal e gélido corredor de hotel por entre quartos fechados, portas trancadas onde se pode ler "Do not disturb".
Talvez a medida da entrega à vida, à sociedade, ao futuro, ao trabalho e ao amor dependa apenas de uma questão de confiança - no mundo, em Deus e em si próprio.
Talvez a globalização envolva um espírito de generalização no qual o valor das instituições se sobreponha já, em verdade, ao valor das pessoas que, em conjunto, as constituem.
Desconfia-se da justiça, da política e da família, da entidade patronal, da Igreja e do sistema em geral.
Desconfia-se do poder e da oposição, dos grupos e dos independentes, das maiorias e das minorias, dos populares e dos anónimos, dos fortes e dos fracos.
Desconfia-se do pretérito, imperfeito se o foi, perfeito porque já não existe e mais-que-perfeito porque isso é para idealistas que não sabem nada da vida e um dia vão entender as coisas como elas são.
Desconfia-se - por causa da hipocrisia, do sofrimento e da mágoa - da honestidade, da felicidade e do amor quando eles surgem. Como na história em que não se crê na verdade depois de tanta mentira.
Desconfia-se de quem traiu e de quem pode trair, desconfia-se de quem nunca traiu e de quem talvez não vá trair porque senão já é estar a deixar margem para a traição.
Dizem que se deve confiar, desconfiando.
...
Já não se percebe se confiar é correr o risco de se defraudar, dar-se uma oportunidade de não ser defraudado ou dar o benefício da dúvida, aguardando, pacientemente, pela decepção.
Ou talvez uma definição qualquer, onde não entram palavras como defraudar, traição, decepção, em que confiar seja somente confiar.
No meio disto tudo já se desconfia da própria sombra porque dizem que quem desconfia não é de confiança.
E isto tudo porque é uma tremenda desilusão que o amor acabe, que a solidão nos invada, que às vezes nos abandonem e nos persuadam assim a deixar a vida ao abandono.
Desconfio que seja essa a razão pela qual desconfiamos, porque custa saber que nem a vida nem os outros existem para concretizar os nossos sonhos, ninguém o fará por nós e muitos não farão sequer nada a nosso favor.
Muitos outros sim, a esses devemos, depois de olhar cuidadosamente pelo óculo da porta, deixar entrar, e "disturb".

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