terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

E depois do adeus

Dizia Miguel de Sousa Tavares "Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram."
Na sôfrega vertigem do dia-a-dia, mergulhados nas rotinas sonolentas e doentias de egoístas soldados de guerrilha própria, imunes defensores de quimera pessoal, ultrapassamos barreiras e recolhemos medalhas e feridas.
De caminho há todo um trabalho de bastidores que se impõe numa estrutura, muitas vezes aparentemente enfadonha e pesada, de figuras que compõem o cenário da imponente e frondosa batalha deste terrível jogo que é a vida.
Um organigrama perfeitamente insubstituível de referências que têm o penoso papel de pertencer ao núcleo-duro dos seres que, de tão profundamente conhecidos, congregam o topo da imperfeição.
Formando um quadro quase passivo de tão seguro e inquestionável, aborrecem-nos com questões práticas e sem importância, ocupam o lugar com o pó dos anos e desencadeiam inúmeras pequenas querelas com as constantes questões práticas, pedidos de atenção, discursos repetidos, exigências profundas ou profundos silêncios de quem se recolhe como espectador.
Um dia, subitamente, por motivos que o próprio mundo e a nossa intrínseca razão paulatinamente ignoram, desaparecem.
Fica o vazio.
Recordações.
Sempre insuficientes.
De forma constrangedora, teimosamente ou não, sobrevivemos às nossas próprias catástrofes e tudo continua.
Como se de uma personagem estóica e animada se tratasse, somos presentes ao campo de batalha onde, com feridas ou medalhas, temos de deixar para trás companheiros. Alguns deles seres independentes de nós e, muitas vezes simultaneamente, outros eus de nós próprios, carcaças do que fomos um dia.
Prosseguir, agora fortalecidos ou não, e dar sentido ao caminho com o transporte do testemunho é a missão a cumprir.
As memórias encaixilhamos de dourado, os dias maus desaparecem e com eles se sauvizam imagens.
De repente há menos alguém que pede atenção e preenche a nossa vida com questões práticas.
De repente, afinal, não custava ter feito um pouco mais.
Era merecido um pouco mais.
Afinal pesa menos ter alguém às costas do que o fardo que se ganha em perdê-la.
Continua Miguel de Sousa Tavares "Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

2 comentários:

  1. MUITO BOM e revejo-me em tudo...
    Cris

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  2. CRÓNICAS DE ANA RUTE = dom da escrita... viciante... apetece ler mais... e mais... e mais...
    da orgulhosa prima

    sónia martins :)

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