quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Feminine

Há poucos anos, ainda a vida me era tão leve que carregava às costas apenas a mochila da escola, cruzei-me com uma Professora de meia-idade que ia ao meio-dia a correr para tratar do almoço. Sorridente desabafou numa rebeldia ténue e inconsequente "Hoje estou farta de ser mulher." Prossegui no ritmo lento da ignorância e ela na vertigem apressada da lucidez.
Entretanto o papel das mulheres na sociedade já fez correr muita tinta útil e também inútil. Talvez seja mais pudico o papel da mulher na sua própria vida enquanto capaz de se libertar das expectativas da sociedade e garantir o prazer próprio e autónomo do seu desempenho enquanto tal.
Numa altura em que os anais do universo apontam como histórica a conquista de pontos no percurso pela igualdade social, laboral e económica, eu diria apenas que, em linguagem mediana e categórica, a mulher deixou de ser um objecto para se tornar num objecto com novas funcionalidades.
Um brinquedo de requinte mais complexo e rentável que poderá convencer-se da sua qualidade no sentido de se tornar um pouco mais lisonjeado, menos aborrecedor e sobretudo, e apenas, mais sobrecarregado.
Continuamos a brincar aos homens e, desabafo aqui, esta brincadeira é inglória, trabalhosa e, acima de tudo, não faz nenhuma mulher verdadeiramente feliz.
Continuamos presas ao estigma da perfeição esguia e de cabelos longos, continuamos independentes e autónomas a alimentar a dependência dos outros.
Continuamos a colocar gotas de perfume e a abafar as lágrimas, a não poder gritar, a tratar de tudo, a fugir da solidão ou refugiar-se nela, a esperar que o amor nos preencha e a preencher casas onde não há amor.
Falta escrever uma página onde a sensibilidade signifique força e onde a inteligência, a independência e a exigência possam ser sexy.
Falta assentar o dia em que a paixão não precise de um amanhã, em que não seja necessário ser absolutamente necessária.
Hastear a bandeira e deixar cair a blusa mas sem salto alto, sem lentes graduadas nem cheiro a refogado - de sapatilhas, sem relógio e sem culpas.
Hoje sei por que nos cansamos de ser mulheres, porque hoje ser mulher ainda é adiar-se.
E todas, como aquela mulher de meia-idade ao meio-dia, vivemos a meias a nossa própria vida.

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