sábado, 19 de dezembro de 2009

O Autocarro do Acaso

A viagem é a unidade básica de jornadas deste imenso campeonato. Uma folha quadriculada de partidas e chegadas entre percursos regionais ou de longo curso, dentro e fora de si. Há quem leve mais ou menos bagagem, há quem se aventure só com a roupa do corpo e mesmo quem parta sem nunca sair do lugar. Pelo meio pode sempre haver um atalho, uma escala ou um engarrafamento. Pode mesmo haver um enjoo ou um acidente de percurso, facilmente suavizado por uns óculos de sol e uma boa banda sonora. Entre encontros e despedidas, há quem parta para não voltar e quem regresse sempre, há ainda quem fique connosco mesmo depois do veículo se afastar. Diria de forma veemente que a maior das viagens é conhecer alguém. Abre-se então uma linha da rodoviária do tempo para embarcar num trajecto cujo destino se desconhece. E segue assim o viajante à chamada da voz amarelada do altifalante para o Autocarro do Acaso a que a Sorte o guiou. Fure-se ou não um pneu, haja sempre faróis de longo alcance para iluminar o caminho. A good will do verdadeiro viajante é que a partida é certa no seu valor, acrescidos certamente quilómetros vividos à entrada na gare de desembarque. E lá subsistem os dois vectores da grelha para os aventureiros da estrada: SEJA BEM-VINDO e BOA VIAJEM.

1 comentário:

  1. Acaso não seria ilusão, claro está,
    A ilusão das ilusões da ilusão que nunca há.

    Não há ilusão na aventura,
    Não há ilusão no desconhecido.
    Não há ilusão na desventura,
    De abordar um rapaz tão bem sentido.

    Não há ilusão numa paragem,
    Não há ilusão no deixa andar.
    Não há ilusão numa mensagem,
    Se tudo é nosso não há com que enganar.

    Não há ilusão na descoberta,
    Não há ilusão no entretecer.
    Não há ilusão numa carta aberta,
    Não há ilusão no aprender.

    Não há ilusão numa caminhada,
    Não há ilusão no coração.
    Não há ilusão em (absolutamente) nada
    Porque tudo afinal é uma ilusão.

    As máscaras, neste teatro da vida, conferimo-las à nossa protecção. São apenas pequenas esferas de pudor pessoal que não se tocam sem um grande desconforto. E porque resolvemos não ficar nus psicologicamente ante o outro, não deixamos as esferas se tocarem, antes criamos uma nova imagem e ornamo-la de todos os mais belos atributos, os quais disfarçamos numa conversa cuidada. Surge o problema quando penetramos a esfera de outro, quando deixamos alguém invadir a nossa ou quando não nos sabemos proteger. Já não sabemos viver sem ilusão. As nossas máscaras modificam-se. Evoluem. Tornamo-nos amantes de modas e vivemos sob o signo do homem ou mulher perfeitos. Somos descaracterizados. Tatuam-nos, sem esforço, um código de barras e somos comercializados em série pelo propósito único de servirmos como modelos a outros. Impõe-se a beleza à personalidade. Impõe-se a máscara ao real. E deixamos de saber quem somos. (…)

    Não sei se saberei alguma vez aquilo que significa a relação com o outro. Pela parte que me compete, continuo à procura de um significado pessoal que talvez nunca venha a encontrar. Talvez se apenas deixarmos de ter medo, podemos deixar o outro aproximar-se. Talvez se no decorrer das nossas vidas nos aventurarmos a ir mais além, e por instantes esquecermos a máscara, esquecermos as modas, esquecermos o mundo e simplesmente nos deixarmos ir, nos acercarmos de alguém e perguntamos por um autocarro, talvez isso seja tudo o que é preciso para nos encontrarmos.

    Concluo dizendo que todas as boas viagens são viagens de auto-descoberta. E como todas as relações, quaisquer que elas sejam, são feitas de dois, então terão também que ser dois a empreender essa mesma viagem.

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