segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

No Teu Poema

Escrevo-te agora para dizer que ainda tenho a loucura de procurar o cavalo para percorrer em prodígio os prados com muitas flores.
E neles guardo as tardes em que me levavas pela mão para comprar a Rua Sésamo. Lá habitam também as primeiras idas à biblioteca, onde me convencias de que brincar com o dicionário era uma actividade simpática, mesmo quando eu ainda não podia saber compreender.
Nas rédeas abraço a cozinha onde me recebias como mais ninguém e a partir de cuja janela me vias tão única e amavelmente partir. Regresso sempre como dantes.
Em cada punhado de mundo de que me apodero, são nossas todas as cores, nelas deposito o teu brilho e também a tua sombra, vivo ainda a vida que sobra e que no tempo das borbulhas não pude conter.
Suave e ternamente.
Por tudo isso deixo aqui o primeiro poema que me ajudaste a decorar e que pretendo, assim como a tudo o resto, não mais esquecer.
Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores?

Reinaldo Ferreira

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