Não tarda nada virá, tremendo, dizer que se lembrou de um poema, de
uma música, de um filme que viram juntos. Ou que encontrou um papelinho, uma
caixa plástica esquecida, uma peça de roupa que poderá fazer falta. Voltam
sempre. Pedirá o código postal para enviar pelo correio, depois escreverá uma
mensagem misericordiosa, fará um telefonema tardio ou tentará marcar um café. Não
tarda nada será ele a ter coisas para enviar por todas as vias, verdades por
submeter, recordações por encaminhar, sentimentalidades, revelações e desculpas
por endereçar. Voltam sempre. É por causa do casaco? Deixa o casaco na caixa do
correio, deixa pendurado na porta, deixa na mercearia, deita-o fora, fica com
ele. Afinal não é por causa do casaco. Então é por causa de quê? Não tarda nada
será ele, de volta, a enviar um amor confesso, tremido, com as letras todas,
com maiúsculas, pela primeira vez e pela última. A palavra adiada e temida,
agora arremessada às três pancadas, como recurso último, na derradeira
oportunidade, cobardemente tarde. No fim da linha, lá virão os desabafos profundos,
os arrependimentos, a urgência, as intuições. Talvez até uma enxurrada de
acusações, meia dúzia de ameaças, um punhado de ainda-vais-ver-que, oxalá-um-dia.
Voltam sempre. Nem que seja só pelo barro à parede, nem que seja só pela má
consciência, nem que seja só quando não há mais ninguém. As cartas saídas da manga,
que caem só depois do jogo, depois do resultado do jogo. Face a face com o
inevitável, já todas as qualidades serão reconhecidas, já todos os talentos
serão notáveis, já todos os esforços serão exequíveis, todos os planos
possíveis. A lucidez, o súbito interesse, a súbita disponibilidade, a súbita
viabilidade. Não tarda nada serão dele as mãos trémulas, com o seu coraçãozinho
ansioso, os seus nervos pueris, consumidos no ridículo de uma angústia
pequenina. Não tarda nada já tudo virá fora de tempo, já tudo será inútil. Mas
voltam sempre. Desmemoriados, desverticalizados, desmembrados daquilo que os
enviou para onde estão. Só que nessa altura já não há pachorra. Há só uma minúscula
saudade. Ou, em muitas ocasiões, a falta dela.
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