domingo, 17 de maio de 2009

Cartão de Aniversário

Na imagem do panfleto de papel brilhante, impressa a cores mais ou menos difusas, mora vida nova e vida já gasta, lê-se a palavra procedente e a palavra cessante, pela ferida aberta da redoma perdida, a figura da miúda cada vez mais literalmente saída da casca.
No interior de lustro vazio cabem as ânsias do que podia ter sido e do que pode ser, cabe tudo o que se pode e não pode ler.
Cabe o que se perdeu e quem se perdeu, a mágoa chorada e por chorar, tudo o que se podia dar e não se deu.
Cabe o que se ganhou e quem se ganhou, a saudade imensa do que já passou com a força nova do caminho por andar, de prosseguir e arrumar o que voou.
Cabem as palavras que não foram ditas, a imponência cruel do orgulho e outras coisas pequenitas que sufocam e conduzem pontualmente à dependência.
Cabem os momentos que não foram vividos e também os que se escolheria não viver, os dias espremidos e também as gotas por sorver.
Cabe o passado e o futuro, a partida e a meta, largada e fugida, a seta que aponta o caminho em que perduro.
Cabem as velas já frias e todas as outras em chama, a fogueira por apagar na lida de quem ama.
Cabe o primeiro telefonema e a última lembrança, a maior surpresa e a pior desilusão, os desejos por pedir e os votos por ouvir, a canção e a esperança no que está para vir.
Cabem os silêncios, as lágrimas, as risadas a dar, as pessoas que chegaram e os espaços em branco de quem já não vem assinar.
Fecha-se o envelope sem remetente nem destinatário, correspondência pendente de cariz arbitrário.
A vida expedida sem marco nem selo, em que o bloco de gelo é já pedra partida.
E, no entanto, é só um pedaço de cartão por riscar, para guardar numa caixa empoeirada à espera de se estragar.

3 comentários:

  1. Eu acho que a tua escrita, muito bela, só tem a ganhar com menos metáforas e mais "vida real".

    É que com tanta metáfora acabamos por nos esquecer do que estás a falar, transportamos tudo para o mundo das imagens que evocas e que correspondem a um sentido que só tornamos a perceber quando voltamos a ler o texto do início.

    É lindo tudo o que escreves, mas, na minha modestíssima opinião: põe-lhe mais umas gotas de concreto...de real.

    Não deixes as metáforas, mas...you know what I mean. Don't you?

    :)

    C (luar)

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  2. De resto, acho que a tua escrita reflecte a velocidade alucinante com que mil pensamentos te viajam em simultâneo pela cabeça, bem como os múltiplos significados e emoções que podemos atribuir a cada um deles...

    Nunca deixes de pensar no que poderá vir a ser, mas pensa também naquilo que é, e naquilo que realmente sentes...no momento, sem antes nem depois, sem porquê nem senão...plenamente.

    C(luar)

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  3. *porque se deixasses de pensar e sentir por antecipação, por suposição de um futuro que existe apenas no teu imaginário, terias aproveitado mais ainda não só o teu aniversário...como os dias que lhe antecederam.
    Keep it real, don't kill the dream, and always look on the bright side of life!

    *THE END*

    C (Luar)

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